Paulo Frange

COMISSÃO DE ESTUDOS DO LIXO

O Lixo, os aterros e a ausência da Política Municipal de Resíduos Sólidos em São Paulo

O problema do lixo nos grandes centros urbanos é uma realidade que atormenta população e poder público em cidades de todo o Brasil. Em São Paulo, maior e mais importante cidade do País, eu, como vereador, presidi uma Comissão Estudos do Lixo por 180 dias em 2007. O objetivo era acompanhar e analisar a execução operacional e financeira dos contratos firmados pela Prefeitura do Município de São Paulo com as concessionárias, além e propor soluções para o tratamento do lixo no município.

A Comissão recebeu contribuições dos órgãos públicos municipais competentes na gestão dos contratos de concessão dos serviços de limpeza urbana, depoimentos das autoridades responsáveis e dos representantes legais das concessionárias.

Foram examinados os contratos, sua execução, o deslizamento dos investimentos previstos no ajuste, o pagamento de tarifa às concessionárias com redução determinada pelo estudo realizado pelo FIPE, o dano ambiental causado pelo funcionamento dos Aterros Sanitários Bandeirantes e São João e os contratos firmados pela Municipalidade com a empresa Biogás.

Vamos analisar aqui o caso do Aterro Sanitário Bandeirantes, administrado pela Concessionária Logística Ambiental de São Paulo S.A. (LOGA), que teve suas atividades encerradas devido ao esgotamento de sua capacidade para recebimento de resíduo, conforme atesta Plano de Encerramento apresentado pela Concessionária ao Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental (DAIA), em 23 de outubro de 2006.

A Prefeitura do Município de São Paulo, por meio de seu Departamento de Limpeza Urbana – LIMPURB, solicitou suspensão da análise do Plano de Encerramento pela CETESB, sob a justificativa que “a Prefeitura, com o interesse de aumentar a vida útil do aterro, está em fase final dos estudos que possibilitem sua ampliação”.

É preocupante a insistência do órgão municipal em manter o Aterro Bandeirantes operando, especialmente, se considerarmos as circunstâncias de seu fechamento e os eventos recentes, envolvendo o outro aterro de responsabilidade da prefeitura, o Aterro São João.

Em reunião realizada entre a CETESB, a empresa LOGA e a LIMPURB, a Agência Ambiental observou que, na hipótese de eventual ampliação do Aterro Sanitário, por meio da Técnica de retaludamento, tornaria-se necessário o licenciamento ambiental, realizado a partir dos devidos estudos ambientais.

Por meio de manifestação do Departamento de Avaliação ao Impacto Ambiental (DAIA), a Secretaria do Estado do Meio Ambiente já indeferiu anterior solicitação da Prefeitura do Município de São Paulo para a ampliação do Aterro Bandeirantes. A justificativa foi que “a ampliação do Aterro Sanitário iria aumentar os níveis de impacto ambiental para a comunidade moradora do entorno do empreendimento”.

Desde então, a pressão da população no entorno do aterro aumentou, o que agravou o fator impeditivo da licença de ampliação. Embora o Estado de Direito seja norteado pelo princípio da preponderância do interesse público sobre o particular, esta questão deve ser analisada a partir da história de sacrifícios já vivida por aquela população que, em favor do interesse de toda a coletividade, já herda um passivo ambiental de proporções significativas. 

Laudos da CETESB, entre 2003 e 2005, constataram a contaminação do solo por metais pesados. Em 2003, foi detectada a presença de contaminação por bactérias, alumínio, ferro e manganês. No ano seguinte, além destes metais, foi encontrado chumbo nos poços. E, em 2005, a CETESB apresentou a presença de cloreto.

Essa contaminação de solo e subsolo, proveniente das atividades do Aterro Bandeirantes, complementa a lista de fatores que não permitem a ampliação de sua vida útil de forma sustentável, pois o chamado “retadulamento” não se apresenta acompanhado de ações de melhorias para a área do aterro e seu entorno.

Ainda que estas melhorias fossem apresentadas – projeto por nós desconhecido, já que a municipalidade tem se preocupado somente em ampliar o empreendimento – tal ação, por si só, não autorizaria a ampliação do aterro. Seria preciso projetar, executar e analisar a sua ampliação.

Para efeito comparativo, citamos a Resolução CONAMA nº 273/2000, que condiciona a concessão de licenças ambientais a postos de combustíveis à remediação de contaminação existentes. Se tal condicionante se dá para pequenas fontes poluidoras – como no caso dos postos de gasolina – não é possível imaginar a ampliação de aterro sanitário sem que se aplique medida proporcional.

Outro importante aspecto a ser considerado é o fato da técnica de “retadulamento”, não ter sido testada. Estamos falando da possibilidade de ocorrência de uma grande catástrofe.

Qual a garantia da estabilidade do aterro, uma vez que se pretende “alterá-lo” com técnica jamais utilizada? Como garantir estabilidade em todo o aterro se os taludes seriam suportados em uma estrutura de “gabiões” que por sua vez, seriam fixados na massa informe de lixo? Qual a garantia de não ocorrência de um desabamento, que significaria uma grande tragédia? Oportuno lembrar o mandamento constante do artigo 182 da Lei Orgânica do nosso Município que determina que:

“Art. 182 – O Município coibirá qualquer tipo de atividade que implique em degradação ambiental e quaisquer outros prejuízos globais à vida, à qualidade de vida, ao meio ambiente:
.....
III – realizando periodicamente auditorias no sistema de controle de poluição, de riscos de acidentes das instalações e atividades de significativo potencial de degradação ambiental.“ (grifo nosso)

Trata-se de uma novidade cujos benefícios ainda não podem ser considerados certos e comprovados. A verdade é que, com a ampliação, não há como garantir a não ocorrência de desabamentos diante da situação em que se encontra o aterro, que teve seu fim decretado pelo órgão ambiental, que resistiu bravamente às pressões.  

Quais as conseqüências do desabamento de uma montanha de resíduos, equivalente, hoje – mais alguns andares viriam com a implantação temerária deste projeto – a um edifício de 35 andares? Será necessário que a Rodovia dos Bandeirantes seja interrompida por um desastre sem precedentes, para que se verifique que, de fato, a técnica não fosse adequada?

E as instalações e moradias próximas? Como autorizar a LIMPURB a impor-lhes o risco de ver suas edificações soterradas em uma montanha de resíduos, uma vez que esta comunidade já demonstrou sua insatisfação com a situação? Como autorizar a ampliação diante do risco à vida dos moradores?

O perigo de desabamento não está longínquo: lembremos o desastre ocorrido recentemente em outro aterro igualmente de responsabilidade da Prefeitura Municipal, o Aterro São João, amplamente divulgado pela imprensa. Naquela ocasião, tivemos a sorte de não ter ocorrido nenhum evento grave, de não terem sido atingidas vidas ou mesmo, em segunda ordem de grandeza, patrimônio público ou privado.

É de ressaltar que, a principal causa do grave acidente naquele aterro foi a inadequada extração de gás metano, atividade executada pela BIOGÁS ENERGIA AMBIENTAL, que é também a responsável pela extração do gás no Aterro Bandeirantes. A absurda implantação do projeto de “alteamento” do Aterro Bandeirantes não irá promover desajustes na operação da extração de gás de modo a provocar catástrofe maior? Se não é, por que até agora não há diagnóstico para o acidente?

Além da temeridade que representaria a utilização da técnica apontada, haveria uma nova exposição da população a novos constrangimentos, sendo inegável que esta já participou diretamente da implantação e operação do aterro, através do sacrifício de seu bem estar e de suas famílias.

Qual a justificativa para a imposição de novas penas à comunidade do entorno? É incrível – e a repetição se faz necessária – a justificativa estaria na ampliação do aterro em várias toneladas, ou seja, um aumento de capacidade que aumentaria também o tráfego de caminhões e o mau-cheiro. Seria revisitar, sem qualquer garantia de segurança ambiental e até de incolumidade física, a situação já vivida e sofrida pelos habitantes da região.

 Mesmo que se diga que o fornecimento de energia elétrica ou eventual indenização às famílias da localidade possam ser considerados como compensatórios, estes têm como foco o prejuízo já sofrido. Cuidam de minimizar e recompensar, ainda que pouco, as penas do passado. Assim, como a comunidade seria indenizada por uma futura provação? O LIMPURB é, sobretudo, um órgão público e, como tal, não pode desdenhar os interesses da população local, com o apoio a um projeto desta natureza.

Isso tudo com o prejuízo adicional de minar de vez a possibilidade de recuperação das áreas verdes degradadas no entorno do aterro, com intervenção em futura área de proteção ambiental. Área esta, prevista em um Termo de Ajuste de Conduta firmado entre a Municipalidade e o Ministério Público para servir de proteção à área do Aterro.

Afinal, quando um município do porte de São Paulo terá uma Política Municipal de Resíduos Sólidos? Quando é que vamos efetivamente tratar o lixo como matéria-prima e investir pesadamente na reciclagem? Por que o descaso justamente com o lixo, que historicamente tem sido empurrado para administrações futuras? O futuro chegou! Teremos inevitavelmente de encarar o lixo e seu destino com responsabilidade do poder público e da sociedade.

ENCERRADA SEM PUBLICAÇÃO DE RELATÓRIO

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